Comida estragada, maus-tratos e choque elétrico: baianos resgatados em fazenda no RS são acolhidos em Feira de Santana

Morador do distrito de Jaguara, em Feira de Santana, o jovem Lucas da Silva, de 20 anos, não escondeu a gratidão e a felicidade por finalmente poder voltar a sua casa. Ele foi um dos 280 baianos que foram resgatados em situação análoga à escravidão, em uma fazenda na cidade de Bento Gonçalves, região da Serra, no Rio Grande do Sul.

O primeiro ônibus a trazer os trabalhadores de volta à Bahia chegou ao estado nesta segunda-feira (27), por volta das 11h, com 40 pessoas no total. 10 homens ficaram em Feira de Santana, outros 7 foram para São Sebastião do Passé e os demais seguiram para Salvador.

Os trabalhadores foram contratados por um empresário da cidade de Valente, de 45 anos. Ele prestava serviços para fazendas em Bento Gonçalves e recrutava pessoas de diversas cidades da Bahia, com promessas de salários vantajosas. No entanto, ao chegarem ao local, os terceirizados eram mantidos em situação precária nos alojamentos e obrigados a trabalhar em uma jornada exaustiva, além de sofrerem maus-tratos e humilhações.

Em entrevista ao Acorda Cidade, Lucas da Silva relatou que ficou 1 mês e 15 dias no Rio Grande do Sul. Lá, ele vivenciou dias traumáticos, viu colegas de trabalho serem maltratados até com armas de choque elétrico e era obrigado a se alimentar com comida estragada.

“Foi uma indicação do meu tio para fazer esse serviço lá na colheita da uva, e a proposta foi interessante de R$ 4 mil por dois meses de trabalho, mas quando chegamos lá, foi tudo diferente. Houve atraso de pagamento, maus-tratos e todo tipo de humilhação, como falta de alimentação, e o próprio patrão ruim, deixando os trabalhadores irem trabalhar doentes. Nós nos alimentávamos com marmitas, só que eram todas azedas. Vinha carne, arroz e feijão, só que de péssima qualidade, e o café da manhã era café preto com pão”, contou o jovem.

Segundo ele, os seguranças da fazenda batiam nos trabalhadores, quando estavam doentes e diziam que não iriam trabalhar na colheita.

“Eles batiam em nós, usavam armas de choque elétrico. Quem não ia trabalhar, por doença, sofria. Eu não cheguei a tomar choque, nem ser espancado, mas meus colegas sim. Foi muito difícil, a gente saiu da Bahia para trabalhar lá e sofrer isso. Sou do distrito de Jaguara, em Feira de Santana. Quando voltei fiquei muito feliz por voltar para minha terra, foi muito sofrimento lá, mas graças a Deus estou de volta”, desabafou.

Outro jovem aliciado para trabalhar na fazenda, Lucas Santos da Silva, 21 anos, da cidade de Araci, ficou lá durante 6 meses. Assim como os demais contratados, ele também saiu da cidade onde reside com base em uma promessa de salário vantajosa, mas logo no primeiro dia de trabalho, percebeu que se tratava de um engano.

“Quando cheguei, no primeiro dia, pensei que era uma coisa, mas era outra. Lá, comecei a trabalhar primeiro com frango, depois me mandaram para a colheita de uva. Era um trabalho muito difícil, a comida vinha azeda, a gente trabalhava das 7h da manhã às 10h da noite, no frio, na chuva. Várias vezes o produtor não respeitava a gente, também quando a gente não queria trabalhar por causa do almoço que vinha azedo, eles queriam bater na gente e obrigavam a trabalhar com fome. Nunca fui agredido, porque quando eu estava com fome começava a chupar as uvas e amenizava a minha fome. Tinha arma de choque, já presenciei muito. Tiveram alguns meninos que conseguiram fugir e foram apanhados com arma de choque, tomaram tapas e cacetadas, mas graças a Deus eles estão vindo em um ônibus”, relatou.

Segundo Lucas Santos da Silva, ele conseguia manter contato com a família de vez em quando, mas não podia fugir do local, porque sabia que logo poderia ser recapturado.

“A gente não podia fugir, porque eles tinham contato com a empresa da rodoviária e a gente era obrigado a voltar. Era um trabalho ‘escravo’. Tinha gente que saia às 5h e ficava até 1h da madrugada, para no outro dia às 5h voltar novamente. O alojamento tinha muitos ratos, muito inseto, muita discussão, o segurança batia muito para o pessoal ir trabalhar, todos muito cansados, mas eles batiam e tínhamos que ir obrigados”, informou.

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